É o seguinte: eu ia escrever um texto falando sobre o caso do Ronaldinho ou sobre as patéticas diretorias do Rio de Janeiro. Eis que me deparo com um texto apaixonante de um certo Fernando Calazans, no blog de um certo Sidney Garambone. Dois monstros do jornalismo esportivo. Quando eu li o texto, pensei: "Todos têm que ler isso. É lindo. É a verdade."
O assunto é o fato de os jogadores da seleção não saberem nem sequer um nome de um jogador da seleção de 58. Isso é um absurdo! Eles não são obrigados a saber toda a escalação, mas não saber um jogador? Não saber nada?! Me desculpem, é inaceitável.
Sou frequentador assíduo de vários blogs de jornalismo esportivo e são diversos os comentários (de leitores) que vejo renegando a história dos nossos ídolos. Garambone fez uma lista de comentários 'acéfalos' no seu blog.
Abaixo vou postar o primeiro texto de Garambone sobre o assunto. Esse texto, entitulado como 'Melancolia', foi o motivo de Calazans escrever a sua coluna sobre esse assunto. Leiam!
'Melancolia'
"Quando mais novo, eu chutaria balde. Não só balde, chutaria chapinhas, latas vazias e talvez até um pé de cadeira desavisado. Hoje, apenas fico triste. Desde que nasci, vivo com dívidas. Dívidas de gratidão. Dívidas de reconhecimento. Dívidas que me incentivam a tentar fazer história, nem que seja pintando um fradinho no quarteirão de casa.Agradeço e invejo os primeiros jogadores e torcedores do meu clube de coração. Não fossem eles, não seria este o meu clube de coração. Lá no início do século, fizeram gols importantes, confeccionaram as primeiras bandeiras, foram responsáveis pelos títulos pioneiros. Quando nasci e cresci coube-me apenas a escolha.Elogio também os primeiros republicanos, que talvez escondidos dos guardas e dos fofoqueiros do império, conseguiram mudar o regime brasileiro, mal acostumado a uma vida de colônia e império, recheada de privilégios sangüíneos e mordomias exacerbadas. Não fossem eles, talvez minha casa ainda estivesse um PR talhado na porta.Estendo o tapete para os libertários e idealistas, que remando contra maré conseguiram de Isabel a abolição da escravatura. Mais tarde, seus descendentes livraram o Brasil de regimes autoritários futuros.Quantos jornalistas escreveram com estilo e coragem uma imprensa combativa e independente, quantos aventureiros resolveram fundar jornais, rádios e revistas empenhando as calças para criar uma indústria altamente competente em nível mundial na comunicação social. Devo a todos eles.Como devo a Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos, Didi, Zito, Pelé e Zagallo, Garrincha e Vavá.Por isso fico triste, apenas triste, quando Lúcio, Luis Fabiano e Alexandre Pato confessam em Londres que não sabem nada do primeiro time brasileiro campeão mundial. Nem mesmo o nome de algum jogador. Apenas fico triste."
Esse belíssimo texto de Garambone, recheou a coluna do jornalista Calazans, e fez com que eu colasse tudo aqui para vocês lerem. Agora é a vez de Calazans.
Futebol e cultura ( Fernando Calazans)
"Na chegada da seleção brasileira a Londres para o amistoso de hoje com a Suécia, ouvimos de alguns jogadores a declaração de que nada sabiam sobre a seleção brasileira que se sagrara campeã mundial em 58 - o primeiro título mundial conquistado pelo nosso país. Nada sabiam daquele time, daquela seleção, e tinha mais: não sabiam dizer o nome de um jogador sequer daquela saga.Os jogadores ouvidos foram quatro ou cinco. Se fossem os 22, a resposta seria a mesma: não sabemos o nome de nenhum jogador.Quer dizer: não sabem o nome do Pelé nem do Garrincha. E muito menos do Nílton Santos, do Zito, do Gilmar, do Vavá, do Bellini. Do Didi, então, nem se fala. E sequer conhecem o Zagallo. Alguém aí ouviu falar do Zagallo? Eles não.A reportagem da ESPN Brasil foi repetida durante o "Linha de Passe", segunda-feira à noite, causando protestos gerais dos participantes da mesa, que começaram com o Juca Kfouri, em São Paulo, e se estenderam até o Mauro Cezar Pereira, a meu lado, no Rio. Que descaso desses jogadores com sua profissão...No blog do Sidney Garambone, no Globoesporte.com, também há um protesto. Um protesto, não. Desculpem. Garambone manifesta sua tristeza, sua melancolia, por causa daquele desconhecimento. Gênios que foram eliminados do universo do futebol, em seu próprio país.Gosto de ler o Garambone. A começar pela apresentação no seu blog: Sidney Garambone é isso, é aquilo; gosta disso, gosta daquilo; terminando assim... "e acha que futebol é cultura". Gosto da singeleza deste final. Porque, no Brasil, algo que deveria ser um sentimento nacional virou algo que merece destaque. Merece mesmo: "Garambone acha que futebol é cultura". Acreditem ou não, é pouco comum, hoje, enxergar o futebol como cultura, mesmo entre jornalistas.Ainda que mais jovem, Garambone é um brasileiro tão provecto e antiquado quanto eu. Achamos que, no país do futebol, o futebol ainda é cultura. Dois dinossauros, eu e ele. Dois, minto. Temos um pequeno clube de comentaristas: o Juca, o Trajano, o Márcio Guedes, o Helena, o Armando, o Sérgio Cabral, o Noronha, o Claudio Mello e Souza, o Renato Prado, o PC Vasconcellos, o José Geraldo Couto, o Areosa, o Roberto Porto - cada um mais velho do que o outro.Nada mais do que um time de futebol, com algumas promessas no banco, e contando com a adesão de jovens e bravos repórteres que tomarão nosso lugar de críticos, mais cedo ou mais tarde. Somos chamados... chamados não... somos acusados de saudosistas e românticos.Se um crítico de cinema analisar a obra de John Ford, de Eisenstein ou de Kurosawa, mostrará para seus leitores grande conhecimento da arte.Se um crítico de literatura interpretar os romances de Machado de Assis, de Balzac e de Tolstoi, exibirá a sua vasta cultura.Mas, se um crítico de futebol relembrar Garrincha, Zizinho, Didi, Gérson e até mesmo o recente Zico, será tachado de romântico e saudosista, de ultrapassado e senil. Para usar expressões caras ao Nelson Rodrigues, será considerado uma besta quadrada e um chato de galocha. O futebol deixou de ser cultura. É visto apenas com os olhos da competição, do business, da disputa, da violência, da estupidez, da guerra.Eis o nosso martírio, neste país cada vez mais mergulhado na falta de cultura, na falta de leitura, de alfabetização, no desamor à sua História e à sua Arte.Recorro à escritora Lygia Fagundes Telles, em seu depoimento ao caderno "A língua da união", publicado no GLOBO: "... essa luta é uma luta pungente, uma luta bela, heróica, porque acontece num país que não dá importância à nossa língua."A nossa língua, disse ela, não damos importância à nossa língua. Acho que tudo isso começa - ou acaba - por aí."
Isso é pura arte jornalística. Sou saudosista em todos os aspectos; gosto de músicas ditas antigas, de livros filosóficos, romances antigos, filmes clássicos, ler o jornal de papael toda manhã, e futebol como arte, não mera competição. Não é à toa que meu time (formado por mim e meus amigos) tem no nome a frase 'magia e arte'. Quem o conhece sabe!
No fim do post de Garambone, ele diz que irá formar a Resistência Jurássica, cheia de referências ao passado, presente e futuro! Tudo isso contra o Sindicato dos Acéfalos. Eu faço parte dessa Resistência. Futebol é cultura. Temos que cuidar de nossos ídolos, de nossa tradição. Futebol é arte. Viva a arte!
"Convido a todos os que compartilham da aflição pela burrice a fazerem parte desta confraria jurássica. Juntos, podemos tentar evitar a nossa extinção." (Garambone)
Eu sou jurássico, e você?
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