segunda-feira, 26 de maio de 2008

Tricolor de Coração

Foi um jogo histórico. Inesquecível.


Estive viajando nos últimos dias, por isso não postei sobre as rodadas da Libertadores.

Por enquanto segue um texto de Mauro Beting, mesclando as crônicas de um dos autores mais brilhantes da história do literatura brasileira.

O Tricolor Nelson Rodrigues.



“Amigos, a humildade acaba aqui. O Fluminense conquistou sua mais bela vitória. E foi também o grande dia do Estádio Mário Filho. A massa ‘pó-de-arroz’ teve o sentimento do triunfo. Vivos e mortos subiram as rampas. Os vivos saíram de suas casas e os mortos de suas tumbas. E, diante da platéia colossal, Fluminense e São Paulo fizeram uma dessas partidas imortais. Daqui a duzentos anos a cidade dirá, mordida de nostalgia: - ‘Aquele jogo da Libertadores!’. Ah, quem não esteve no Maracanã não viveu. Houve, durante noventa minutos, um suspense mortal. Setenta mil pessoas morriam nas arquibancadas.Pelo amor de Deus, não me venham dizer que, no final do jogo, o São Paulo jogou com dez. Eram dez fanáticos dispostos a vencer ou perecer. Mas, dizia eu, que a nossa humildade pára aqui. Passamos toda a jornada com um passarinho em cada ombro e as duras e feias sandálias nos pés.Mas o Fluminense é o vencedor. Desde muito antes. Lembro-me da primeira rodada em que ficamos na ponta. As esquinas e os botecos faziam a piada cruel: - ‘Líder por uma semana’. Olhem para trás. Não houve time mais regular. Mais constante. Mas foi engraçado: - por muito tempo, ninguém acreditou no Fluminense, ninguém.Houve lances que escapariam à vidência até de um Maomé, até de um Moisés de Cecil B. de Mille. Lembro-me de um momento em que Rogério Ceni estava batido irremediavelmente. O arco são-paulino abria seus sete metros e quebrados. E que fez Thiago Neves? Consumou o gol de cambaxirra? Simplesmente, Thiago Neves deu a bola de bandeja para fora do gol. E foi preciso que Washington, o goleador por nós mais esperado que um Moisés, marcasse aquele que seria o gol da vitória, da doce e santa classificação. E o São Paulo não empatou mais, nunca mais.Não acredito em futebol sem sorte. Digo mais: - sem esse mínimo de sorte, o sujeito não consegue nem chupar um Chica-Bon, o sujeito acaba engolindo o pauzinho do sorvete. E o Fluminense estava jogando sem uma ínfima gota de sorte até anteontem.Amigos, a grande verdade: - a obra-prima, no futebol e na arte, tem de ser imperfeita. A partir do momento em que o Fluminense deixou de ser tão estilista, tão Flaubert, os gols começaram a jorrar aos borbotões.Agora e a pergunta: - e o personagem da conquista? Podia ser cada um. Mas entendo que desta vez o personagem deve ser o time. Do goleiro ao ponta. Todos, todos mostraram uma alma, uma paixão, um ímpeto inexcedíveis".